O contexto global atual está em um ritmo acelerado, impulsionado principalmente pelo avanço das tecnologias computacionais, por outro lado os indivíduos buscam conciliar a vida profissional com a vida pessoal, dando mais ênfase ao equilíbrio do que a acumulação desenfreada de capital.
O trabalho, nesse cenário, pode ser 24/7, ou seja, as empresas não param e elas precisam ter uma força laboral atuando em todos os horários, para atender as demandas dos clientes. As empresas devem, então, possibilitar mecanismos de flexibilização a fim de adaptar a jornada para quando as pessoas se sentem mais produtivas.
Embora haja consequências positivas no trabalho em turnos, as negativas podem ser desastrosas para o indivíduo e organização. Especialistas em medicina ocupacional têm chamado atenção e voltado suas pesquisas para os efeitos do trabalho em turnos, mas os impactos negativos têm sido negligenciados sob as óticas econômica e de gerenciamento de pessoas.
Com isso, trago aqui no blog um levantamento teórico sobre outros textos científicos falam do trabalho em turnos e suas implicações, com objetivo de dar mais luz ao trabalho em turnos e elucidar os impactos causados pelo emprego desse formato. Assim, tanto profissionais, quanto organizações poderão colocar um empenho maior para ajustar práticas, escalas e jornadas com foco no bem-estar geral.
Neste texto procurei trazer diversas referências científicas dos mais renomados periódicos em Gestão, Administração e Ciências Sociais Aplicadas. Tem um pouco de formalismo científico, é verdade, mas espero contribuir, também, para uma reflexão mais profunda sobre o tema.
Então, embarquemos juntos nessa jornada científica!
Arranjos Não-convencionais de Trabalho
Os arranjos do trabalho em turnos são compostos por trabalhos em horário flexível ou variável: distintos horários de trabalho, início/término de jornada variável, atuação em dias úteis ou fins de semana, semana laboral comprimida, trabalho em meio período, ou extensão da jornada com horas extras de acordo com a Organização Internacional do Trabalho – International Labour Organization (ILO, 2000).
Além dos arranjos de horários de trabalho, pode-se incluir arranjos organizacionais como times virtuais, trabalho remoto ou home-office, colaborativo, grupos funcionais ou matriciais e até mesmo organizações horizontais que consideram a função do líder como dispensável (Kassinis & Stavrou, 2013; Peretz, Fried, & Levi, 2018).
As organizações estão mais dependentes do suporte da tecnologia e tendem a estimular a flexibilidade no trabalho por conta de os negócios serem cada vez mais globalizados, multiculturais, que envolvem muitas partes interessadas, estão espalhados em distintas regiões e que interagem entre si virtualmente (Zaccaro & Bader, 2003).
Os novos negócios ou startups desempenham um papel fundamental no mercado pela sua agilidade em desenvolver novas aplicações e em quão rentáveis podem se tornar se bem-sucedidas. Os projetos demandam profissionais com múltiplas habilidades, muitas vezes difíceis de se encontrar localmente, logo as organizações as procuram no exterior, fazendo-os trabalharem conjuntamente onde quer que estejam, com prazos e custos otimizados.
O trabalho também pode ser 24/7 – vinte quatro horas por dia, sete dias por semana –, ou seja, as empresas não param e elas precisam ter uma força laboral atuando em todos os horários, para atender as demandas dos clientes (Costa, 2003b). Considerando que os negócios estão além de suas fronteiras, as organizações devem responder às demandas conectando pessoas em diferentes horários e culturas e devem prover o suporte tão rápido quanto possível (Avolio & Kahai, 2003).
Esse arranjo é conhecido por turnos rotativos, trabalho em regime de escalas, ou trabalho em turnos, nos quais as pessoas atuam em horários distintos aos convencionais (9h-18h, segunda a sexta, por exemplo) e adotam jornadas deslocadas que incluem trabalho noturno e em fins de semana ou feriados, com turnos alternantes ou fixos, e escalas variadas (ILO, 2000; Narciso & Pinto, 2013).
Esta mudança geralmente tem consequências adicionais à saúde dos indivíduos devido a impacto no ritmo circadiano, horário de sono invertido e fadiga, e nas interações sociais com família e amigos, já que a sociedade em geral está mais próxima dos horários padrões de trabalho (Costa, 2003b; Wilson, Polzer-Debruyne, Chen, & Fernandes, 2007).
Complementa-se a definição de trabalho em turnos como o sistema no qual um grupo substitui outro para o mesmo tipo de tarefa no mesmo ambiente de trabalho (Folkard & Monk, 1985). Para esses autores, a composição de diferentes turnos torna o trabalho em regime de escalas um problema organizacional. Portanto, requer atenção da gestão de recursos humanos.
Em relação às semanas comprimidas de trabalho, nas quais o período regular de cinco dias é reduzido com aumento da carga horária diária, pesquisas indicam um benefício mútuo para os indivíduos e organizações pela razão que estes podem ter um dia adicional de descanso e desviar-se dos horários de pico, enquanto essas podem reduzir os custos laborais em até vinte por cento em algumas escaladas horárias (Hung, 2006; Sundo & Fujii, 2005).
No entanto, tais mudanças dependem das leis trabalhistas, atualmente contemplada pela reforma na legislação brasileira (Lei n. 13.467, 2017), e especificidades da indústria para identificar se os resultados podem beneficiar os dois lados, sem comprometer a um ou a outro.
Trabalho em Turnos
O trabalho em turnos não é um fenômeno contemporâneo já que, antes mesmo da industrialização, se faziam necessários o uso de força laboral em vários horários nas funções de soldados, marinheiros, policiais, pastoreio, por exemplo, e que no momento pós-Segunda Guerra ganhou mais força principalmente com o advento dos serviços essenciais ininterruptos, como abastecimento, transporte, postal, transmissão de rádio e TV, energia e telecomunicações (Kogi, 1985).
O formato do trabalho em turnos contempla a seguinte terminologia básica, conforme Fischer (2003):
Termos básicos:
- turno: unidade de tempo de trabalho (seis, oito ou doze horas);turmas: grupos de trabalhadores que operam no revezamento, no mesmo local e horário, sucedendo-se umas às outras;grupos: turnos ou equipes;turno diurno: o trabalhador desenvolve período fixo, usualmente na faixa das 05:00 horas e 18:00 horas;
- turno noturno: o trabalhador desenvolve atividades à noite, definido pela legislação brasileira entre 22:00 horas de um dia até as 05:00 do dia seguinte.
A autora também apresenta os esquemas no ponto de vista da empresa e do trabalhador:
Esquema do ponto de vista da empresa:
- turnos contínuos: o trabalho na empresa é realizado durante as 24 horas do dia ininterruptamente;
- turnos semicontínuos: o trabalho é realizado durante as 24 horas, porém com pausas durante um ou dois dias na semana;
- turnos descontínuos: o trabalho não demanda profissionais durante as 24 horas do dia, geralmente atua com um ou dois turnos.
Esquema do ponto de vista do trabalhador:
- turno fixo: trabalhadores com horários fixos, sejam diurnos ou noturnos;
- turno irregular: o início ou fim de jornada são variáveis, sem esquema pré-determinado;
- turno alternante ou rodízio: trabalhadores modificam o horário segundo uma escala determinada, alterando o início da jornada a cada período de tempo, sejam dias, semanas ou meses, detalhado a seguir:
- ciclo de rotação: intervalo de tempo entre duas designações para o mesmo turno;rodízio ou alternância lenta: modifica o horário a cada semana, quinzena ou mês;rodízio ou alternância rápida: modifica o horário a cada um, dois ou três dias.rodízio direto: a mudança se dá no sentido horário, ou seja, se alguém está no turno diurno, passará a cumprir o vespertino;
- rodízio indireto: a mudança se dá no sentido inverso, ou seja, quem está no turno diurno passará a fazer o turno noturno (antecedente).
Soma-se aos fatores de complexidade do trabalho em turno, a dificuldade em se montar escalas de alternância a fim de atribuir o maior número de pessoas por horário, otimizando recursos, mas que depende do contexto de cada organização e considera razões adicionais e interdependentes de ordem tecnológica, econômica, social, etc. (Folkard & Monk, 1985; Verdier, Barthe, & Quéinnec, 2003).
Esses autores concordam que não há uma escala ideal ou arranjo mais adequado à organização ou à empresa, porém fazem ressalvas quanto o trabalho noturno, horário que mais compromete o indivíduo em aspectos como fisiológicos, psicológicos e sociais.
O trabalho em turno como opção, não obrigação
É consenso que as pessoas evitem atuar em turnos, dado que apenas dez por cento vê alguma vantagem a fim de acomodar interesses particulares que o trabalho em horários deslocados proporciona (Rutenfranz et al., 1985).
No entanto, o trabalho em turnos permite contornar problemas mais amplos do cotidiano, como a mobilidade urbana, poluição e impactos ao meio-ambiente, bem como benefícios econômicos individuais ou coletivos (Duddu & Pulugurtha, 2015; Hung, 1996; Sundo & Fujii, 2005).
Segundo esses autores, os horários deslocados, bem como as semanas comprimidas, permitem os trabalhadores saírem do fluxo mais intenso de tráfego nas cidades e da lotação do transporte público em horários de pico, o que pode trazer mais tempo livre por evitar o deslocamento demorado nesses períodos ou reduzir o índice de acidentes pela redução do tempo em trânsito.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, os horários de pico no início da manhã e no final da tarde são os de maior concentração de acidentes fatais e não-fatais, como mostram os dados do portal ligado ao Detran estadual, o InfosigaSP (2020).
Esses dados corroboram com Duddu e Pulugurtha (2015) sobre a adoção de políticas públicas que permitam elaborar estratégias de flexibilização da jornada de trabalho com objetivo de reduzir o absenteísmo por acidentes ou enfermidades decorrentes destes, uso eficiente dos meios de transporte e infraestrutura viária, redução da poluição e gasto energético com combustíveis à medida que se distribua a circulação de veículos para outros horários (Hung, 1996; Sundo & Fujii, 2005).
Hung (1996) chama atenção à economia que a redução do deslocamento para o trabalho em horários fora do regular (9h-18h) traria, ao citar que os congestionamentos contabilizam mais de sete bilhões de litros de combustíveis em dois bilhões de horas por demoras nos Estados Unidos.
Algumas Estratégias de Contorno
Uma das estratégias de flexibilização com trabalho em turnos seria a semana de trabalho comprimida, no entanto esse e outros arranjos do trabalho podem esbarrar em questões legais se demandarem aumento da jornada para além das oito horas regulares. Segundo a ILO (2004), alguns países, incluindo o Brasil, seguem as diretrizes da Convenção de Horas de Trabalho (Comércio e Escritórios) n. 30 de 1930 que estipula um máximo de dez horas diárias.
Logo, estender a jornada para haver compensação em outro dia, reduzindo a semana de trabalho, deixa de ser viável, a menos que haja uma discussão mais ampla sobre os benefícios. Ainda assim, a ampliação do trabalho em turnos nas empresas em jornadas deslocadas, retiraria um movimento importante das ruas.
Outro empecilho legal são as definições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, em seu artigo 73, parágrafos 1º. e 2º., estipula o horário noturno entre 22h de um dia às 5h do dia seguinte, com horas reduzidas de 52 minutos e 30 segundos e pagamento de adicional em vinte por cento sobre a hora trabalhada (Decreto-Lei n. 5.452, 1943).
Embora a legislação vise proteger o trabalhador, essa regulamentação pode onerar as organizações se não houver uma contrapartida ou incentivos públicos com objetivo maior de obter benefícios à sociedade no âmbito ambiental ou da mobilidade urbana.
Outra vertente positiva do trabalho em turnos com horários flexíveis é a manutenção da empregabilidade para alguns grupos de trabalhadores que tendem a ter consequências na carreira devido às desigualdades existentes no mercado corporativo, como mulheres que optaram pela maternidade (Chung & Horst, 2018).
Segundo as autoras, as trabalhadoras tendem a permanecer na empresa após o nascimento do primeiro filho se puderem fazer uso do trabalho em turnos ou jornadas flexíveis, incluindo trabalho remoto (ou teletrabalho), que possibilite conciliar as atividades maternais e profissionais.
Embora o trabalho em turnos possa trazer vantagens ou possibilidades relevantes para o indivíduo, ainda há que se ter cuidado com a adoção das jornadas flexíveis de modo a não comprometer a saúde do profissional, como apresentado nos tópicos anteriores, já que as pesquisas apontam na direção oposta aos benefícios que possam surgir.
Kogi (1985) ressalta ainda que os problemas oriundos do trabalho em turnos incorrem sobre a figura do indivíduo, pois a partir da aceitação das atividades nesse formato, os impactos de curto prazo, como a organização das refeições, sono, descanso, e impactos de longo prazo como saúde, convívio social, adaptação aos turnos e carreira profissional, são de sua responsabilidade, mesmo considerando alguns pontos positivos sobre esse arranjo de trabalho.
Na área de TIC, mais do que aceitar atuar em turnos, as organizações fazem forte uso de força laboral nesse formato como parte essencial para o negócio.
Considerações Finais e Sequência de Análise
Não se trata de questionar que o trabalho em turnos difere, em relação às atividades desempenhadas, das demais pessoas e horários. Trata-se de questionar o ‘quando’ este trabalho ocorre, pois a jornada deslocada impõe restrições em diversos aspectos que muitas vezes não são vistos pelas organizações.
Por essa razão é que se questiona o uso do trabalho em turnos sem distinção ao trabalho em horário convencional. Cabe aos pesquisadores debaterem e revalidarem, a cada momento, a verdade que o indivíduo adota e apresentar uma nova verdade, que esteja mais alinhada com o equilíbrio entre o que a organização e a pessoa desejam, e tornar essa relação trabalho-vida pessoal mais sinérgica.
Há diversas pesquisas, como mencionado ao longo deste artigo, que trouxeram a temática desse equilíbrio à tona. No entanto, ainda se veem poucos indagando o que as empresas, os executivos, gestores e até mesmo os profissionais enxergam sobre o trabalho em turnos, quando estes últimos passam a renunciar a algum domínio de suas vidas.
Sempre devemos pensar em uma relação “ganha-ganha”, pois quando um lado perde, todos em longo prazo perdem também.
Agora quero ouvir a sua opinião! Deixe um comentário abaixo compartilhando a sua experiência com os diferentes arranjos de trabalho. Qual modalidade você escolheu ou prefere e por quê? Quais desafios você enfrenta atualmente?
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